sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Profissões para mulheres por Virgínia Woolf

Virgínia Woolf leu esse texto para a Sociedade Nacional de Auxílio às Mulheres em 21/1/31

Quando a secretária de vocês me convidou para vir aqui, ela me disse que esta sociedade atende à colocação profissional das mulheres e sugeriu que eu falasse um pouco sobre minhas experiências profissionais. Sou mulher, é verdade; tenho emprego, é verdade; mas que experiências profissionais tive eu? Difícil dizer. Minha profissão é a literatura; e é a profissão que, tirando o palco, menos experiência oferece às mulheres. (...)

Existe coisa mais fácil do que escrever artigos e comprar gatos persas com o pagamento? (...) E, quando eu estava escrevendo aquela resenha, descobri que, se fosse resenhar livros, ia ter de combater um certo fantasma. e o fantasma era uma mulher, e quando a conheci melhor, dei a ela o nome de "O Anjo do Lar". Era ela que me incomodava, tomava meu tempo e me atormentava tanto que no fim matei essa mulher. Vocês que são de uma geração mais jovem e mais feliz, talvez não tenham ouvido falar dela - talvez não saibam o que quero dizer com o Anjo do Lar. Vou tentar resumir. Ela era extremamente simpática. Imensamente encantadora. Totalmente altruísta. Excelente nas difíceis artes do convívio familiar. Sacrificava-se todos os dias. Se o almoço era frango, ela ficava com o pé; se havia ar encanado, era ali que ia se sentar - em suma, seu feitio era nunca ter opinião ou vontade própria, e preferia sempre concordar com as opiniões e vontades dos outros. E acima de tudo - nem preciso dizer - ela era pura. Sua pureza era tida como sua maior beleza - enrubescer era seu grande encanto. (...) Fiz de tudo para esganá-la. Minha desculpa, se tivesse de comparecer a um tribunal, seria legítima defesa. Se eu não a matasse, ela é que me mataria. arrancaria o coração de minha escrita. Pois, na hora em que pus a caneta no papel, percebi que não dá para fazer nem mesmo uma resenha sem ter opinião própria, sem dizer o que a gente pensa ser verdade nas relações humanas, na moral, no sexo. E, segundo o Anjo do Lar, as mulheres não podem tratar de nenhuma dessas questões com liberdade e franqueza; se querem se dar bem, elas precisam agradar, precisam conciliar, precisam - falando sem rodeios - mentir. (...) Demorou para morrer.

(...) Mesmo quando o caminho está nominalmente aberto - quando nada impede que uma mulher seja médica, advogada, funcionária pública-, são muitas, imagino eu, os fantasmas e obstáculos pelo caminho. Penso que é muito bom e importante discuti-los e defini-los, pois só assim é possível dividir o trabalho, resolver as dificuldades. Mas além disso, também é necessário discutir as metas e os fins pelos quais lutamos, pelos quais combatemos esses obstáculos tremendos. Não podemos achar que essas metas estão dadas; precisam ser questionadas e examinadas constantemente. (...) 
(Woolf,


Virgínia*, Profissões para mulheres e outros artigos feministas, 

tradução de Denise Bottmann; 

Porto Alegre, RS, L&PM, 2012 , p. 9-18). 

A pergunta de hoje é: o mundo mudou em 82 anos?






* Uma das romancistas mais inovadoras da líteratura inglesa (1882-1941) notabilizou-se também como precursora do feminismo contemporâneo.

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